Palavras do Rabino Pablo Berman

16 de agosto de 2024

Vaetchanan ou Lembranças

O último livro da Torá, o livro de Deuteronômio, é uma obra preciosa. Somente no trecho que lemos neste Shabat, encontramos as frases mais importantes do judaísmo.
O Shemá Israel, fórmula eterna do judaísmo, foi pronunciado por milhões de judeus ao redor do mundo durante séculos, tanto em momentos de alegria quanto de tristeza: "Shemá Israel Ad'onai Elokêinu Ad'onai Echad."
Mas, além disso, nosso texto contém o maravilhoso versículo que recitamos toda vez que a Torá é elevada após a leitura: "Vezot haTorá asher sam Moshe lifnei b'nei Israel." Aqui está a Torá que Moshé colocou diante dos filhos de Israel.
E não é só isso. Encontramos também uma das frases da Tefilá Aleinu Leshabeach, que rezamos todos os dias, três vezes ao dia:
"Veyadáta hayom v’hashêvota el-levavechá ki Ado-nai hu haEloKim bashamayim mimá’al ve’al ha’aretz mitáchat eyn od."
Saiba hoje, e tenha sempre presente que só Deus é Deus, tanto acima nos céus como aqui embaixo na terra; não há outro.
E como se isso não bastasse, também encontramos o versículo que pronunciamos todo Shabat quando retiramos a Torá do Aron Hakodesh:
"Atá horêta lada’at ki Ado-nai hu haElokim eyn od milvado."
Está claro que só Deus é Deus; não há outro.
E ainda há mais! Encontramos o famoso versículo que também recitamos sempre que lemos a Torá:
"V'atem had’veikim b'Ado-nai Elokeichem chayim kulchem hayom."
E vocês, que permaneceram fiéis a Deus, estão todos vivos hoje.
São versículos que ressoam em nossos ouvidos, cuja doçura sentimos cada vez que os pronunciamos. Sempre faz bem ouvi-los e dizê-los.
Mas há algo mais neste texto maravilhoso deste Shabat: também encontramos os Dez Mandamentos que Moshé entrega a Israel. 
Mas, veja só… Será que eles não foram pronunciados antes, no momento em que Moshé subiu para recebê-los no Monte Sinai? 
Claro que sim. Já foram entregues e recebidos. Mas o livro de Deuteronômio é um grande discurso de despedida de Moshé ao seu povo, Israel. E Moshé decide, com sabedoria, se despedir relatando tudo o que aconteceu e tudo o que ele lembra. 
E, quando recordamos o passado, às vezes lembramos as coisas de maneira diferente. Às vezes, com saudade, às vezes com lágrimas, às vezes mudando aqui e ali algumas coisas, alguns detalhes, talvez alguns fatos ou palavras. Às vezes, gostaríamos que as coisas fossem diferentes. Mas, claro, não podemos mudar o passado. Mas podemos lembrá-lo de outra forma. E, às vezes, lembrar o passado de um jeito diferente nos faz bem. Outras vezes, mudar os fatos e contar o que aconteceu de outra maneira pode não ser tão bom.
Moshé, em sua sabedoria, muda alguns fatos e também algumas palavras, e nos perguntamos por quê. Uma possível resposta é que, quando recordamos o passado e compartilhamos nossas histórias, algo curioso acontece: os detalhes começam a mudar. Não porque queremos mentir, mas porque nossa memória funciona de maneira especial. Em vez de guardar cada momento com precisão, nossa mente reconstrói essas lembranças cada vez que as evocamos, e, nesse processo, às vezes as modificamos sem perceber.
As emoções também nos guiam. Com o tempo, o que sentimos sobre um evento pode se transformar. Algo que antes nos machucava, talvez agora olhemos com mais calma, ou algo que nos fazia felizes, pode ganhar uma nova camada de significado. Assim, nossas histórias se adaptam ao que nosso coração sente no presente.
Também é comum ajustarmos o que dizemos conforme o momento ou a companhia. Às vezes, queremos que nossa história toque a pessoa que nos ouve, que desperte uma emoção, e para conseguir isso, podemos embelezar certos detalhes ou fazer tudo soar um pouco mais dramático ou divertido.
O tempo também apaga alguns detalhes, mas deixa marcas profundas em outros. Quando os detalhes se desfocam, nossa mente preenche esses vazios com o que acreditamos que aconteceu, misturando um pouco de realidade com imaginação.
E, no final, todos buscamos que nossas histórias façam sentido, que fluam bem, que tudo se encaixe. Se algo não parece certo, sem perceber, ajustamos para que a narrativa seja lógica e coerente, mesmo que isso signifique se desviar um pouco do que realmente aconteceu.
Assim, nossas histórias evoluem, não apenas contando o que foi, mas refletindo quem somos e o que sentimos agora.
E assim, contando histórias com lembranças diferentes, Moshé sobe ao monte Pisga, ao topo, para ver de lá, ao norte, sul, leste e oeste, toda, absolutamente toda a Terra Prometida.