Palavras do Rabino Pablo Berman

23 de agosto de 2024

Shabat Ekev, a Boca de Deus

"Nem só de pão vive o homem, mas de tudo o que sai da boca de Deus, disso vive o homem."

Não é apenas o alimento que nutre nossos corpos físicos que nos permite viver. De tudo o que sai da boca de Deus. Por que a Torá fala da boca de Deus? Como seria a boca de Deus? Já imaginaram? Enorme. Eu imagino. A primeira vez que Deus abre a boca é para criar a luz. E Deus disse: que haja luz, e houve luz. E Deus viu que a luz era boa. Aí o texto da Torá poderia ter terminado, já basta, suficiente. O que mais poderíamos pedir? Já temos a luz divina, o resto é continuar multiplicando essa luz, replicando-a através dos séculos. Deus criou a luz que é boa, e da luz nasce tudo. Mas parece que não foi suficiente. Porque Ele continuou criando coisas. Muitas coisas. Mais adiante, da boca de Deus sairão palavras para criar a vida humana. E com os humanos, Deus fala. É com a única criatura que Ele fala. Que Ele dialoga.
Diálogo. Isso também sai da boca de Deus. O diálogo. Deus precisa de alguém com quem falar. Alguém com quem dialogar. E isso acontece. Há diálogo. Com Adão e Eva. Com a serpente. Com Caim. Com Abraão, Itzchak e Yaacov. Com Moshé. Com Miriam e com Aarão, quando Ele fica brabo com eles, senão não fala. Para dialogar com eles, não. Moshé sim fala com Deus, é o que mais fala. Depois, Ele falará com os profetas. E depois de muito tempo, um dia, o diálogo se cortou. Ou pelo menos, Ele não falou mais. Por que será que Deus não falou mais conosco? Vocês podem me dizer: "Rabino, Deus fala de outras formas, através de outros modos."
Mas se a Torá nos conta que Deus tem uma boca, e que de tudo o que sai dessa boca, nós vivemos, por que Ele já não fala mais conosco? Pode ser que Ele fale através dos sonhos. Pode ser. Mas o texto diz que Ele fala. Não que fala em sonhos. Fala, ouve-se Sua voz.
E nós falamos com Ele? Nós falamos, sim. Cada um como sabe, como pode. A tefilá é um bom caminho. Os textos que temos neste livro nos ajudam. Cantar juntos nos ajuda. As palavras se elevam ao mesmo tempo. Algo deveria acontecer com essas palavras. Acredito que sobem e chegam a algum lugar, se saem de nossas bocas com sinceridade. Porque, se estamos reunidos aqui todo Shabat, deve ser por algo. Deve ser porque algo acontece. Se não acreditássemos nisso, nada teria sentido.
Deus falou e fez o mundo. Imaginem poder falar e criar mundos. Ou destruí-los. Porque parece que Deus também fez isso, há muito, muito tempo. Depois, no final, Ele ficou com este mundo. Parece que de todos, foi o que mais gostou. Imaginem como seriam os que Ele destruiu. E continuamos tentando essa conexão. Porque, na verdade, não sabemos qual funciona. Mas somos seres falantes. E o melhor que fazemos é ler e escrever. E falar.
Imaginem. Baruch She Amar Vehaia Haolam. Todos os dias rezamos: Bendito o que falou e criou o mundo. Deus diz, e acontece. Talvez por isso pensamos que Deus decreta e cumpre. Que palavras interessantes, saber que nem só de pão vive o homem. Mas de tudo o que sai da boca de Deus, conseguimos viver.
Se fosse só pão, o que seria? O que representaria? Apenas o material. Nascer apenas para conseguir um pedaço de pão. Às vezes, conseguimos mais que um pedaço de pão. Mas isso é apenas matéria. Tudo é matéria. Comemos o pão, damos vida ao corpo que precisa. E depois o eliminamos. Apenas o sabor e os nutrientes ficarão na memória. E amanhã, de novo, a lutar pelo mesmo pedaço de pão.
A pergunta é: como alimentamos o espírito? E o judaísmo sabe muito bem como alimentá-lo. Pena que se tornou tão rígido com a lei. A lei, o conceito de transgressão e castigo, estragou tudo. Não era isso que o texto queria dizer: que com tudo o que sai da boca de Deus, podemos nos alimentar. Se ninguém quer se alimentar. Apenas aqueles que pensam que o judaísmo é como uma cartela de selos de festval, que, quando você completa, ganha uma panela de presente. Pagando, claro. Nada é de graça nesta vida.
Mas ser judeu é outra coisa. Não é preencher cartelas com selos. Não. É entender nossa história. Saber quem somos. Como chegamos até aqui. E como seguimos adiante. É saber que somos parte de algo muito maior. É saber que somos parte de um povo e de uma história incrível. E o fato de viver nesta geração em que existe o Estado de Israel torna nossa história um marco difícil de acreditar.
Não só de pão vive cada um de nós. Da boca de Deus sai tudo o que representa a luz. E é bom aproveitar. Sem judaísmos passados, mas sim guardando a tradição, que é o que dá sabor ao que somos. Sem judaísmos opressivos e autocráticos. Porque também uma boa música, um bom livro e um bom filme saem da boca de Deus.
Mas há muito que sai da boca de Deus que nos constrói como povo, e isso, pessoal, precisamos dar atenção, dar importância. A língua, o hebraico, é uma dessas coisas. Israel é outra. A tefilá. Estudar nossos textos de uma forma moderna, que possa fluir. Que nos emocione. Se as coisas do judaísmo não nos emocionam, a culpa é nossa. Não estamos sabendo como transmiti-las. E isso precisa mudar.
Convido vocês a refletir sobre isso. Da boca de Deus sai tudo para todos. O que vocês vão querer agarrar é a pergunta que aguarda uma resposta.