Palavras do Rabino Pablo Berman

28 de junho de 2024

Parashat Shlach Lecha, Árvores

Sobre o final do texto da Torá que compartilhamos neste Shabat, temos um relato estranho e ao mesmo tempo triste: a história do mekoshesh etzim, a história do apanhador de lenha.
Estando, pois, os filhos de Israel no deserto, acharam um homem que recolhia lenha no Shabat. E os que o acharam apanhando lenha o trouxeram a Moshe e a Arão e a toda a congregação. E o colocaram em guarda; porquanto ainda não estava declarado o que se devia fazer com ele.
Os rabinos tentam desvendar o mistério. Quem é este homem? Por que estava recolhendo lenha num dia de Shabat? Quanta lenha poderia haver no deserto? Não tinha tempo livre suficiente para ter feito isso em outro momento? As perguntas são muitas e as respostas poucas. O interessante é que Moshe e Arão não sabem o que fazer com ele. E a decisão Divina será a morte deste homem sem nome. O Mekoshesh Etzim, o juntador de lenha.
Mas a presença da palavra Etz, da palavra árvore, está presente no texto em várias ocasiões. Quando Moshe ordena aos 12 espiões que estavam se preparando para entrar na Terra de Israel e trazer informações sobre a Terra, antes da entrada de todo o povo, Moshe dá as indicações do que deveriam observar. Uma das coisas que Moshe lhes diz é: ha iesh ba etz im ain, se há árvores ou não. Por que Moshe deveria fazer esta pergunta? Já que Deus havia dito que era a terra que flui leite e mel, como não vai haver árvores?
O livro do Zohar, livro de cabeceira da Cabala, nos diz que este homem desconhecido estava recolhendo lenha das árvores do conhecimento do bem e do mal, e também da árvore da Vida. Mas por que o Zohar nos diz isso? Mais uma vez nos perguntamos: quem era este homem? Será por isso que morreu? Por mexer com aquilo que não se deve mexer? Como conseguiu este desconhecido ter contato com as árvores do Gan Eden?
No livro de Shemot, depois de um problema do povo com a falta de água e a falta de confiança em Deus, o texto diz: veal nasotam et Adon-ai leemor, aiesh Adon-ai bekirbenu im ain, e por provar a Deus para ver se Ele está dentro de nós ou não. Em hebraico é a mesma expressão das árvores. Haiesh ba etz im ain, aiesh Adonai, im ain, se há árvores ou não, se há Deus ou não.
Etz Chaim hi la machazikim ba. Árvore da vida é para aqueles que se apegam a ela. Assim terminamos rezando cada vez que lemos o texto da Torá e antes de guardar a Torá no Aron ha Kodesh dizemos isso. A Torá é nossa Árvore da Vida. Para nos apegarmos a ela, para vivermos nela.
Ao regressar, os espiões da Terra de Israel apresentam um relatório falso. E o castigo será permanecer 40 anos no deserto, um ano para cada dia em que amaldiçoaram a terra prometida.
Moshe não estava preocupado se havia árvores ou não em Israel. Porque havia. E Moshe sabia. Moshe perguntou aos espiões que tinham que revisar suas almas e ver se Deus estava dentro deles antes de partir. Se aquilo que os guiaria nesta etapa da viagem era a confiança em Deus, em sua palavra e em sua promessa, ou não.
E no meio desta pergunta sobre a confiança, sobre a fé na presença Divina, nos encontramos com o mekoshesh etzim. Com aquele que recolhe lenha no Shabat, e o autor do Zohar nos diz: estava juntando os ramos das árvores do Gan Eden.
Me custa acreditar que esta cena seja real. Que tenha acontecido isso no deserto. É verdade que a Torá já havia dito: se profanar o Shabat, então receberá a pena de morte. Mas não é a morte física. Aqui falamos de morte espiritual. Acredito que é uma profunda alegoria de nossas vidas como judeus.
Todas as vezes que nos afastamos de nossa tradição, que nos assimilamos ao que acontece ao nosso redor, quando abandonamos nossos costumes porque não são normais entre os costumes dos outros, quando fazemos o que os outros querem que façamos para nos afastarmos cada vez mais do ser judeu, quando deixamos de ser judeus, apenas recolhemos lenha das árvores do Gan Eden, porque espiritualmente já estamos mortos.
Se não nos apegamos a essa árvore que é a Torá, se não nos apegamos à nossa tradição, se cada vez mais nos assimilamos aos outros, só nos restará recolher a lenha dos ramos caídos das árvores do conhecimento e da árvore da Vida do Gan Eden. Apenas a lenha. Porque nunca poderemos ter conosco a seiva dessas árvores.