Palavras do Rabino Pablo Berman

25 de outubro de 2024

Inícios de uma ordem confusa: Bereshit

Hoje começamos a contar a história de novo. Desde o princípio. E nesse caso, não seria exatamente contar, mas recontar. É isso que fazemos no judaísmo, e sabemos fazer bem. Recontamos a história. Por isso, não inventamos histórias; nos lembramos tão bem de tudo o que nos aconteceu, do que nos fizeram, de quem somos e para onde vamos. Porque recontamos a história, uma e outra vez, desde Bereshit bara Elokim. E Deus criou os céus e a terra. E tudo era um caos. E Deus veio para fazer desse Tou Vavou, desse caos, ordem. Vemos um Deus organizador do caos. Tudo estava misturado, tudo era confuso. E Deus chega e diz: “A água por aqui, a terra por ali. A luz aqui, a escuridão ali. Isso é dia, isso é noite. O sol para o dia, a lua e as estrelas para a noite.” E assim, tudo encontrou seu lugar, tudo encontrou uma ordem. Esse é o papel de Deus, criar a ordem.
Depois, Deus criou o ser humano. Primeiro o homem. Quem sabe por quê. Depois, a mulher. E então a ordem terminou. Estava tudo impecável. Perfeito. Mas chegou o ser humano, e o caos voltou. E assim seguimos até hoje, tentando restabelecer a ordem que Deus estabeleceu naquele princípio distante, nos alicerces do tempo.
Deus também não facilita. Ele já chega nos testando. Ele cria um jardim, um Éden, maravilhoso. Cheio de animais e árvores, e frutas, e água, cascatas, lagos. Tudo é simplesmente paradisíaco. Mas, além de todas as árvores que ali havia — e que certamente eram lindas e frondosas —, Deus coloca outras duas no paraíso: a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, e, ali por perto, a uns 100 metros, a Árvore da Vida. E Deus, que pode falar com os humanos, adverte: cuidado, podem comer de tudo aqui, de todas as árvores, mas da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, não podem comer. Game over.
E como segue a história? A mulher, aconselhada de modo astuto e perverso pela serpente, diz: “Não, você não vai morrer por comer dessa árvore, pode confiar.” E a mulher vai lá, come, e dá ao homem. E tudo volta ao caos inicial. O primeiro homem e a primeira mulher são expulsos do Éden. Para sempre. Adeus, Éden. Adeus, ordem absoluta. Agora teremos que reconstruir essa ordem. Mas o fruto deu seus resultados: o homem e a mulher agora entendiam o que faziam. Podiam pensar. Criar. Voar com a imaginação. Crescer. Talvez não tenha sido uma ideia tão ruim comer da árvore. O que teria acontecido se a primeira mulher não tivesse convidado o primeiro homem a comer do fruto da Árvore do Conhecimento? Ainda estaríamos no paraíso? Possivelmente. E seria melhor? Não acredito. Não estaríamos onde estamos agora. O ser humano cresceu. Era necessário comer do fruto proibido, sair do Éden. Sair do útero. O Éden era um útero. Um espaço maravilhoso, cercado por quatro rios. Isso se chama útero. Era preciso nascer, e era preciso sair.
Mas algo perdemos, sim. Nascer tem seus riscos, alegrias e tristezas inevitáveis. Pois no meio do Éden, a apenas 100 metros da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, estava a outra árvore proibida, a Árvore da Vida. E o ser humano poderia ter comido da Árvore da Vida? Claro que poderia. Mas Deus não falou sobre essa árvore. Ela ficou meio escondida. Deus proibiu comer da Árvore do Conhecimento. E aquilo que é proibido ao ser humano é o que mais o atrai. Porque, afinal, o ser humano é um animal de instintos. Imaginem, comer do fruto da Árvore da Vida e... viver para sempre. Mas isso nos foi negado.
E aqui estamos, com o conhecimento do bem e do mal, mas sem a vida eterna. Sem a vida eterna, mas defendendo a vida. Das serpentes astutas que ainda nos cercam. Mas, aos poucos, iremos acabando com elas. Porque o povo judeu, cada vez que reconta a história, cada vez que recomeçamos, voltamos a comer da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. E sabem de uma coisa? Cada vez sabemos mais. Só uma coisa não podemos fazer: não podemos mudar a história. Não podemos comer da Árvore da Vida nesta jornada. Sempre vamos comer da mesma árvore, e sempre vamos seguir pensando: por que será que não comemos da Árvore da Vida?